Dos livrinhos em alemão à leitura na “patente”
(Por Elizete Mainardes Appel)
Nasci numa pequena cidade ao norte de Santa Catarina,
Irineópolis. Vivi a infância e a adolescência na zona rural.
“Pente que é E e martelo que é T” eram as letras do meu
nome. Tinha três ou quatro anos quando ganhei dois livros: um para colorir e o
outro já colorido. Sempre quis saber o que diziam as histórias. Um tinha cenas
de um inverno que eu não conhecia: bonecos de neve e trenós. O outro tinha
cenas mais familiares: árvores cheinhas de frutos como as do pomar lá de casa,
cestas com essas frutas e crianças. Mal sabia que mesmo nunca os tendo lido
realmente (eram em alemão), suas ilustrações foram o meu primeiro contato com o
mundo da literatura.
Já alfabetizada, descobri no sótão de casa umas caixas com
revistas “Chamada da Meia Noite” e “La Pura Verdad” que meu pai assinava. Eu as
devorei. Contavam fatos do Oriente Médio, política, conspirações, perseguição
religiosa.
Quando estava no segundo ano, descobri que era possível
emprestar livros na biblioteca da escola. Lembro ainda de ter levado para casa
“O gato de botas”. Minha alegria, contudo, não durou. Depois da “amostra
grátis”, era preciso associar-se e pagar o equivalente a dois cruzeiros que
certamente fariam falta no orçamento lá de casa.
Dois anos depois uma amiga me apresentou a biblioteca
pública municipal. A bibliotecária me deu um livro que terminei de ler até
chegar à esquina. Foi uma tortura esperar para devolvê-lo durante as duas
semanas que pensei fossem obrigatórias. Na vez seguinte exigi um livro “mais
comprido” e ela percebeu que estava diante de uma potencial leitora.
Depois disso, a cada troca, levava logo três volumes que lia
o tempo todo. Minha mãe é que não se agradava muito, pois muitas vezes acabava
esquecendo das pequenas tarefas que ela me deixava enquanto ia pra roça. Meu
pai dizia que de certo eu ia arranjar um serviço em que os livros tivessem
serventia: parece que adivinhava que seria professora de LPL (Língua Portuguesa
e Literatura) e Inglês.
Quando ela estava em casa, desenvolvi inclusive uma técnica
para ler mais sossegada, principalmente se o capítulo fosse bem instigante ou a
história estivesse quase no final. Deixava o livro na janela do quarto e fingia
que ia na patente (muitos conhecem como casinha ou privada). Sentava-me lá e
ficava absorta no enredo. Vez ou outra minha mãe me chamava e eu respondia lá
de onde estava. Ela me deixava, porém se a demora fosse demasiada, sempre
acabava ouvindo um “Tá com caganeira, menina?”.
Durante o ensino médio comecei a escrever umas poesias. A
bibliotecária me emprestava a máquina de escrever para eu datilografar meus
escritos que guardo até hoje numa pasta. Pensava em publicar um livro, na
época.
Depois de formada, mudei-me para São Bento do Sul. Também no
norte do estado, porém mais ao leste.
Uns anos atrás fiz um curso com a USBE (União Sãobentense de
Escritores). Descobri que tenho facilidade com microcontos. Contudo nunca me
animei a fazê-los numa quantidade razoável para publicar.
Organizei em 2007 uma publicação (não oficial) com contos de
meus alunos. E desde que adentrei ao mundo virtual mantenho um blog onde vez ou
outra escrevo algumas coisas e publico as produções de alguns de meus alunos.
Recentemente fiz a correção e revisão de um romance de uma
adolescente aqui da cidade, publicado por uma editora portuguesa e distribuído
para o Brasil, Portugal e Cabo Verde. (http://www.eucurtoliteratura.com/2016/03/em-suas-asas-resenha.html)
Quanto aos meus alunos, sempre procuro animá-los para
tornarem-se ou continuarem a ser bons leitores. Trabalho com adolescentes do
ensino médio e muitos deles já chegam à escola com uma certa bagagem de
leitura, outros estão ainda crus e é preciso conquistá-los com doses
homeopáticas.
Essas são minhas relações com o mundo das letras. E,
retomando o primeiro fato, ainda não desisti: uma hora dessas aprendo alemão
para ler aquelas palavras esquisitas do livro colorido e sem capa esquecido no fundo de uma caixa com as relíquias da infância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário