segunda-feira, 18 de abril de 2016

Dos livrinhos em alemão à leitura na “patente”


Dos livrinhos em alemão à leitura na “patente”


(Por Elizete Mainardes Appel)
 Texto produzido para o curso Caminhos da Escrita do site www.escrevendoofuturo.org.br

Nasci numa pequena cidade ao norte de Santa Catarina, Irineópolis. Vivi a infância e a adolescência na zona rural.

“Pente que é E e martelo que é T” eram as letras do meu nome. Tinha três ou quatro anos quando ganhei dois livros: um para colorir e o outro já colorido. Sempre quis saber o que diziam as histórias. Um tinha cenas de um inverno que eu não conhecia: bonecos de neve e trenós. O outro tinha cenas mais familiares: árvores cheinhas de frutos como as do pomar lá de casa, cestas com essas frutas e crianças. Mal sabia que mesmo nunca os tendo lido realmente (eram em alemão), suas ilustrações foram o meu primeiro contato com o mundo da literatura.

Já alfabetizada, descobri no sótão de casa umas caixas com revistas “Chamada da Meia Noite” e “La Pura Verdad” que meu pai assinava. Eu as devorei. Contavam fatos do Oriente Médio, política, conspirações, perseguição religiosa.

Quando estava no segundo ano, descobri que era possível emprestar livros na biblioteca da escola. Lembro ainda de ter levado para casa “O gato de botas”. Minha alegria, contudo, não durou. Depois da “amostra grátis”, era preciso associar-se e pagar o equivalente a dois cruzeiros que certamente fariam falta no orçamento lá de casa.

Dois anos depois uma amiga me apresentou a biblioteca pública municipal. A bibliotecária me deu um livro que terminei de ler até chegar à esquina. Foi uma tortura esperar para devolvê-lo durante as duas semanas que pensei fossem obrigatórias. Na vez seguinte exigi um livro “mais comprido” e ela percebeu que estava diante de uma potencial leitora.

Depois disso, a cada troca, levava logo três volumes que lia o tempo todo. Minha mãe é que não se agradava muito, pois muitas vezes acabava esquecendo das pequenas tarefas que ela me deixava enquanto ia pra roça. Meu pai dizia que de certo eu ia arranjar um serviço em que os livros tivessem serventia: parece que adivinhava que seria professora de LPL (Língua Portuguesa e Literatura) e Inglês.

Quando ela estava em casa, desenvolvi inclusive uma técnica para ler mais sossegada, principalmente se o capítulo fosse bem instigante ou a história estivesse quase no final. Deixava o livro na janela do quarto e fingia que ia na patente (muitos conhecem como casinha ou privada). Sentava-me lá e ficava absorta no enredo. Vez ou outra minha mãe me chamava e eu respondia lá de onde estava. Ela me deixava, porém se a demora fosse demasiada, sempre acabava ouvindo um “Tá com caganeira, menina?”.

Durante o ensino médio comecei a escrever umas poesias. A bibliotecária me emprestava a máquina de escrever para eu datilografar meus escritos que guardo até hoje numa pasta. Pensava em publicar um livro, na época.
Depois de formada, mudei-me para São Bento do Sul. Também no norte do estado, porém mais ao leste.

Uns anos atrás fiz um curso com a USBE (União Sãobentense de Escritores). Descobri que tenho facilidade com microcontos. Contudo nunca me animei a fazê-los numa quantidade razoável para publicar.

Organizei em 2007 uma publicação (não oficial) com contos de meus alunos. E desde que adentrei ao mundo virtual mantenho um blog onde vez ou outra escrevo algumas coisas e publico as produções de alguns de meus alunos.

Recentemente fiz a correção e revisão de um romance de uma adolescente aqui da cidade, publicado por uma editora portuguesa e distribuído para o Brasil, Portugal e Cabo Verde. (http://www.eucurtoliteratura.com/2016/03/em-suas-asas-resenha.html)

Quanto aos meus alunos, sempre procuro animá-los para tornarem-se ou continuarem a ser bons leitores. Trabalho com adolescentes do ensino médio e muitos deles já chegam à escola com uma certa bagagem de leitura, outros estão ainda crus e é preciso conquistá-los com doses homeopáticas.


Essas são minhas relações com o mundo das letras. E, retomando o primeiro fato, ainda não desisti: uma hora dessas aprendo alemão para ler aquelas palavras esquisitas do livro colorido e sem capa esquecido no fundo de uma caixa com as relíquias da infância.

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